quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sorriso Estranho.

“João Roberto era o maioral (...)
Mas de uns tempos prá cá (...)
Alguma coisa aconteceu
Johnny andava meio quieto demais
Só que quase ninguém percebeu (...)
Johnny estava com um sorriso estranho
Quando marcou um super pega no fim de semana (...)
- O aluno João Roberto não está mais entre nós
Ele só tinha dezesseis.
Que isso sirva de aviso prá vocês (...)
E o que dizem que foi tudo
Por causa de um coração partido (...)”
[Dezesseis – Legião Urbana]

João Roberto jogou a mochila sobre o sofá e deixou-se ficar na cama durante a tarde inteira. Se sentia um lixo. Ela nunca ia dar bola para ele e o cara tava ciente disso. Mas o Johnny não aceitava as coisas assim, ele lutava pelo que queria. E ele queria ela.
Alguém bateu na porta e o interrompeu de seus devaneios enfurecidos de frustração. Era o Marcos, o cara que andava sempre com ele. O amigo já sabia o que tinha acontecido.
- Fica assim não, Johnny. Ela não vale nem metade desse esforço.
- Sem função enfática agora, Marcola. Não tou pra isso hoje.
- É sério, cara, não vale a pena.
Talvez Johnny soubesse disso lá no fundo, mas sua mente não o deixava desistir. Ela era especial, era diferente. E era ela que ele queria. Precisava senti-la, tocá-la, beijá-la. E igual àquela mulher não haveria mais ninguém. Não conseguia se convencer do contrário, e nem queria.
- O que ela disse?
Insistiu o amigo.
- Ela disse que não ia rolar, só isso. Daí eu perguntei o porquê e ela disse que – Johnny afinou a voz zombeteiramente – “você é vazio, Johnny”.
- Vazio?
- É, vazio. Eu fiquei encucado com isso e perguntei pra ela o que ela queria dizer.
- E o que ela respondeu?
- Que era por isso mesmo.
Marcos tentou encaixar as peças da história antes de falar alguma coisa.
- Ela disse que você era vazio exatamente por não saber o que ela queria dizer quando disse que você era vazio?
- Pois é – bufou o outro, pegando o violão que estava encostado ao lado da sua cama. Naquilo ali ele era fera. Quase tão fera quanto nos Pegas de fim de semana.
- Você chegou a tocar pra ela? – sugeriu Marcos.
- Duas vezes.
Marcos olhou em volta. Os discos de Vinil amontoados num canto.
- Você falou de música? Ninguém sabe mais de música que você, Johnny.
- Falei. Ela não ligou pra nada do que eu disse sobre o Led Zeppelin.
- Talvez ela não goste do Zeppelin.
- Nem dos Beatles, nem dos Rolling Stones, nem de nada.
- Talvez ela não goste de música.
Aquilo não servia de consolo para o Johnny. Ele era vazio? O que quer que ela quizesse dizer com aquilo, ele não era. Só sabia disso. Dedilhou algumas músicas no violão enquanto Marcos pensava. Depois de algum tempo o amigo sugeriu:
- Que tal uma corrida para ela? Marca um Pega e chama ela pra ver.
- E porque ela iria?
- Porque você é o Johnny, o maior corredor da cidade. Convida a garota e diz que a corrida é pra ela.
- Ela não vai ligar.
Johnny cantou baixinho uma canção dos Beatles.
- Vou marcar na curva do diabo, lá em Sobradinho – decidiu.
Aquela não era a idéia que Marcos tinha tido. Ele só sugeriu uma corrida qualquer, numa rua reta e segura. Johnny tinha um sorriso estranho no rosto.
- Você vai acabar se matando lá. Porque não marca numa rua normal, cara?
- Por isso mesmo.
- Você é igual a ela.
- Se fôssemos iguais ela já estaria comigo.
- Estou dizendo, isso não vai dar certo. Você vai se matar lá, cara.
João Roberto não respondeu. Marcos se arrependeria depois, mas simplesmente ficou calado e deixou que o amigo tocasse suas músicas enquanto ele ouvia. O Pega estava marcado e no Sábado todos apareceram. Seria o maior Pega de todos os tempos.
Motores roncando, a lua alta, adrenalina no ar. Ela estava atrás da mútidão, acompanhando os carros de longe. João Roberto era o garoto da vida dela, mas por enquanto era só um garoto de momento. Se ela fosse só mais uma, não o teria por mais de uma semana.
- Johnny, vá com calma – murmurou para si mesma.
A corrida aconteceu a explosão ecoou por toda a cidade. O cara foi lembardo o tempo todo por quase um ano, a tristeza gritava na cabeça de todos os que o conheciam. Seu violão largado no pé da cama ficou lá para sempre. Johnny era um cara inconsequente e irresponsável. E vazio.