sábado, 26 de julho de 2008

O homem (de negócios) apressado.

Ele estava andando apressado, porque ele era um adulto, e adultos sempre andam apressados. Ele carregava uma bolsa de couro porque homens de negócio sempre usam bolsas de couro debaixo do braço. E homens de negócios eram ainda mais apressados do que adultos normais. Ele socou a camisa social para dentro da calça e continuou andando. Tinha muita coisa pra fazer: buscar dois memorandos, ligar para o chefe, pagar a conta de luz, comprar meias novas, passar em algum restaurante para pegar uma marmita, ligar para o advogado, copiar os memorandos, ir para casa, limpar a cozinha e passar o resto da noite relendo e corrigindo os memorandos. Era muita coisa para um dia só, e o dia já estava na metade.
Ele apertou o passo e, quase imediatamente, seu telefone tocou. Aquilo não estava previsto e só significava uma coisa a mais para encaixar na agenda. Era o chefe perguntando se ele já tinha conseguido os memorandos e ele respondeu que ainda estava a caminho. O chefe pareceu irritado e mandou ele se apressar. O homem desligou o celular e caiu no chão. Não de propósito, claro, mas porque tinha trombado em uma mulher de negócios apressada. Eles pediram desculpas simultaneamente e se ajudaram a levantar. Ele olhou para ela.
Ela era linda. Tinha olhos claros, cabelos ruivos presos para trás e sua boca desenhava um coração delicado nas suas bochechas maquiadas. Seu queixo tinha uma entradinha delicada e aquilo excitava o homem. Por um segundo sentiu vontade de pular em cima dela e agarrá-la. Mas no segundo seguinte ele percebeu que ela era uma mulher séria, era inteligente e provavelmente gostava de café. Ele não adivinhou isso, lógico, mas é porque o café dela agora estava esparramado pelo chão.
Queria convidá-la para compensar o café que ele tinha derrubado. Iram até a Starbucks mais próxima e ele pagaria um café para ela. Eles riram e ela contaria que se sente muito sozinha à noite porque acabou de romper com o namorado. Ele perguntaria se ela quer ir jantar em algum lugar naquela noite e eles iriam, e se beijariam no fim do encontro. Mas ela não iria para casa com ele porque precisava terminar de preencher uma papelada. No dia seguinte ele iria até a casa dela com suas flores preferidas, que ela teria comentado no encontro da noite anterior, e ela ficaria feliz. Aí sim eles iriam dormir juntos e se amariam. Algumas semanas depois eles iriam começar a namorar e se casariam no inverno. A mãe dela choraria e o pai dele ficaria bêbado, armando um barraco no meio do brinde. Teriam dois filhos: um menino e uma menina, e iriam se mudar para uma casa maior. Os filhos iriam para uma boa faculdade e os dois passariam o resto das tardes passeando pela praia e pelos parques.
Mas ela só pediu desculpas e se baixou para pegar as coisas. Ele fez o mesmo, acordando do seu devaneio. Ela sorriu e falou obrigado, se virando para ir embora. Ele lembrou dos memorandos e também se virou. Seu celular tocou. Era o chefe perguntando mais uma vez se ele já tinha pegado a papelada. Ele pediu um momento e se virou para a mulher: perguntou se ele podia pagar um café para ela. Ela disse que estava com pressa e precisava ir. Ele assentiu.
Respondeu ao chefe que já estava à caminho e, com sua mala de couro debaixo do braço, continuou a andar apressado, como se nada tivesse acontecido.

domingo, 6 de julho de 2008

O Tenente [segunda parte]

Impressão errada. Quero dizer, Acontece vez ou outra, sem querer. É aquela coisa de julgar o livro pela capa e dar com a cara na porta. Sim, sim. Eu me enganei. Tudo bem, eu admito que descarreguei minhas frustrações no tenente sem nem dar uma chance para ele. Isso foi errado.
Você não deve estar entendendo coisa alguma – é que a crônica ainda nem começou de fato – mas já-já eu explico. Antes disso tenho que recapitular aquele outro texto, quando botei em pauta até seu sorriso bruto e suas atitudes autoritárias. Eu já disse que estava enganado, não me faça repetir. Mas botando fim à esses rodeios chatos, o que aconteceu foi que, pouco a pouco, o tenente foi ganhando minha confiança. Pra ser sincero, sei lá, ele foi mostrando que não é tudo aquilo que eu tinha dito.
O terceiro parágrafo, esse aqui, vai servir como o primeiro ponto. Aula de desenho, matéria que ele leciona, eu estou sentado num canto e estou aborrecido com alguma coisa. Ninguém parece perceber. Então ele passa perto da minha mesa e solta um ‘que aconteceu?’, para mim. Eu levanto a cabeça um pouco incrédulo, é verdade, e respondo com a única frase que se escuta depois de uma pergunta dessas: ‘nada não’. Ele me perguntou se eu tinha certeza e eu disse que estava tudo bem. Ele foi embora.
Quarto parágrafo, outra aula, segundo ponto. Eu estava brincando e rindo com uns colegas, ele se aproxima e dá um toque amigável no meu ombro. O que ele disse? Ele disse ‘pelo visto você já está melhor, não é?’, eu fiz que sim com a cabeça e ele sorriu. ‘E eu pensando que você era calado, ein?’, então quem sorriu fui eu.
Quinto parágrafo, terceiro e último ponto. Estamos na última aula do semestre, ele está falando com a turma toda. É um daqueles casos em que metade da turma não liga para o que o professor está falando, mas a outra metade entende exatamente o que ele quer dizer. Eu entendi. Ele falou que nos tratava com rigidez porque queria esforço; esforço porque nós tínhamos potencial e jogávamos fora. Ele disse que era rígido aqui dentro para que lá fora pudéssemos ser livres. Ele disse que daqui à alguns anos nós íamos agradecer a ele por tudo que ele fez. E então ele concluiu: ‘agora deixem esses livros de desenho geométrico no armário e vão namorar, curtir as férias, pegar um cinema e se divertir. Tirem esses quinze dias para relaxar’. Foi a primeira sentença liberalista que eu escutava sair da boca dele.
Pois então, impressões erradas. Acontecem, mas sempre podem ser mudadas. Sabe o que eu acho? Que esse negócio de que a primeira impressão é a fica é uma furada; impressões estão sempre sendo mudadas.